As raízes no campo, o modo de se vestir, a linguagem e a personalidade trazem consigo as histórias e tradições dos antepassados.
Os que chegaram para desbravar já tinham uma herança de lutas, vindo de várias regiões. Mas a essência de tudo isso está na migração do Rio Grande do Sul, onde a determinação e a busca pela liberdade são marcas genéticas.
Essa família, embora não esteja diretamente ligada por parentesco àquela da narrativa 1 que compartilha o mesmo sobrenome, partilha um estilo de vida semelhante.
Originária do Rio Grande do Sul, migrou para desbravar as fronteiras entre Paraná e Santa Catarina, onde o patriarca construiu sua morada, cultivou amizades e manteve vivas as tradições de sua terra natal, vivendo no campo com o espírito e os costumes do amado Rio Grande.
Após o declínio da indústria madeireira, surgiram na propriedade as primeiras plantações, a criação de gado e a colheita abundante da erva nativa. Os açudes e a vasta área plana proporcionavam um cenário ideal para diversas atividades.
Os filhos, que foram se casando ao longo do tempo, garantiram seu próprio pedaço de terra, sempre seguindo as tradições passadas pelos pais.
Desta forma, os patriarcas, já na velhice, podiam observar orgulhosamente o trabalho árduo de suas criações.
Um dos filhos mais velhos, conhecido pelo apelido que denotava suas raízes gaúchas, decidiu seguir a carreira como Policial Militar.
Seu feito honrava toda a família, e os apelidos carinhosos como "Chirú" e "Pepê" eram uma maneira peculiar e afetuosa de manter a harmonia familiar.
Neste ambiente rico em oportunidades, a vida seguia seu curso, mesclando tradição e inovação de forma brilhante.
Tive a sorte de conhecê-los, pois cultivaram uma amizade respeitosa com meus pais, que era marcada por pescarias e churrascos frequentes. Durante muitos anos, vi o MF-65 e depois o MF-75, com seu carretão carregado de produtos para vender, sendo operado por um dos filhos com nome semelhante ao meu, ou pelo outro filho que recebeu o nome do discípulo a quem Jesus confiou à missão.
Os patriarcas levavam uma vida simples, marcada por churrascos e pela gaita, que os filhos tocavam com maestria. Suas melodias, cheias de autenticidade gaúcha e sertaneja, transformavam o ambiente.
Um desses talentosos gaiteiros esteve presente em muitas de nossas danças animadas nas festas juninas da escola, sempre comandadas com entusiasmo pelo Darci e pela Liria Maciel.
Uma das lembranças mais marcantes que tenho é da época em que participávamos do Grupo de Jovens e nos unimos para reformar a casa de uma pessoa necessitada da nossa Vila.
Foi um momento marcante: recebemos a doação de um membro dessa família, um majestoso pinheiro araucária, removido da frente de sua residência e preparado pela madeireira Damo, graças à gentileza do então presidente da JUFSS.
Utilizamos essa madeira na reforma da habitação, mostrando como a união e a solidariedade podem fazer a diferença na vida das pessoas.
Naquela época, era comum que famílias vizinhas fortalecessem seus laços por meio de casamentos entre seus filhos. Assim, dois membros dessa família se uniram a integrantes de uma família residente próximo ao entroncamento da BR em direção a Salgado Filho.
Infelizmente, a esposa do benfeitor e gaiteiro faleceu após uma corajosa batalha contra um câncer agressivo, deixando um legado de amor e saudade em todos que tiveram o privilégio de conhecê-la.
Durante muitos anos, ela serviu como Conselheira Tutelar, dedicando-se com paixão ao bem-estar das crianças do município. Mesmo após sua partida, sua família mantém vivo seu legado, cultivando os valores e aprendizados que ela semeou.
Hoje, seu esposo, funcionário público, reconstruiu sua vida ao lado de uma professora. Com respeito e carinho, ele e os filhos honram a memória da esposa querida, preservando sua influência generosa e seu impacto duradouro na comunidade. Seu exemplo de amor e dedicação continua a inspirar e transformar a vida de todos ao seu redor.
Uma das filhas, irmã do gaiteiro das festas juninas e cunhada de sua falecida esposa, ainda reside na propriedade que herdará dos pais. Ela vive com o marido, irmão da falecida esposa do gaiteiro, um homem simples e de profunda humanidade.
Unidos pelo amor à música e à convivência familiar, onde o esposo costuma tocar gaita e juntos organizam encontros que reúnem filhos e parentes para celebrar a vida. Nessas ocasiões, revivem memórias do passado e mantêm vivos os valores essenciais legados pelos pais, fortalecendo os laços de afeto e tradição familiar.
O primogênito, já aposentado da carreira de policial, ainda reside na propriedade dos pais, preservando as tradições e valores familiares como forma de honrar o passado e garantir um futuro sólido.
Enquanto isso, um dos filhos desse militar se destaca como empresário no ramo de transportes, seguindo os passos empreendedores do avô e contribuindo com a geração de empregos.
Os irmãos mais novos escolheram viver na região Oeste de SC, levando consigo os ensinamentos de seus pais e se apoiando no legado deixado por eles.
Uma mensagem de otimismo e perseverança que os impulsiona a seguir em frente, separando o essencial do supérfluo e vivendo com intensidade cada momento.
Pois quando estamos em paz e alinhados com nós mesmos, atraímos para nossa vida as bênçãos e merecimentos que nos são destinados.
Relembrar essa família é mergulhar na nostalgia da simplicidade de um pelego para a sesta da tarde, do som da ovelha berrando no portão da casa, do mate compartilhado, do churrasco no espeto de madeira e da cachaça que circulava, trazendo leveza ao ambiente já embalado pelos acordes do violão e pelo sanfoneio da gaita.
A eternidade pode ter levado o casal, mas suas marcas continuam vívidas na alma dos familiares e amigos, que guardam com carinho as memórias compartilhadas.
As histórias desses encontros, pintadas com a tinta forte da amizade – nos dias de sol ou nos vendavais da vida – são como relíquias de um baú antigo: preciosas e merecedoras de ser trazidas à luz. São lições que o tempo, esse mestre silencioso, deixou gravadas nos atos e nas palavras de quem soube viver e deixar viver.
Pois vejam só, não faltam histórias a serem contadas, e cada família tem sua epopeia. Mas as que brotam agora, da lembrança aquecida pelo mate e pelas brasas do fogão à lenha, são estas.
Embora singelas, carregam o peso do significado. Representam mais que um registro: são o testemunho da passagem de uma família que, como tantas outras, semeou raízes, colheu frutos e legou ao futuro uma lição viva de resistência e esperança.
A vida nos ensina que nem sempre quem planta colhe. O gaúcho sabe bem disso – há sementes que germinam só depois de muito tempo, até depois de quem as lançou à terra já ter partido para outras querências.
Mas o que importa mesmo é semear, porque a colheita, se não nos pertence, é um presente para quem vier depois. E, afinal, que sentido teria o mundo se não entendermos que tudo o que fazemos é parte de algo maior, onde cada um tem sua importância?
Pensem bem: quantas vezes os trabalhadores que aram a terra e amansam o gado não são esquecidos nos banquetes que alimentam? A sociedade se esquece de que a mão calejada é tão essencial quanto a festa.
E que justiça é essa que distribui tanto para uns e quase nada para outros? O coração gaúcho, forjado na simplicidade da lida e na generosidade da partilha, não se conforma com isso.
Há que se buscar um mundo onde o pão seja partilhado de forma justa, onde cada um possa viver com dignidade e celebrar, à sua maneira, a plenitude de existir.
Relembrar essa família é como escutar o som da gaita numa tarde de vento minuano: aquece a alma e resgata o essencial.
São memórias de tardes ao redor do fogo, o cheiro do churrasco no ar, o mate passando de mão em mão, e as risadas que corriam soltas como potros no campo. Mesmo com o passar do tempo, as marcas ficam – não nas paredes que se desmancham, mas no coração dos que viveram juntos.
E assim, seguimos, entre o passado que nos ensina e o futuro que nos chama, cuidando para que a semeadura nunca cesse.
Afinal, como diz o ditado, “quem planta o bem, colhe a paz”. E no fundo, é disso que se trata: deixar um legado que valha a pena ser lembrado.
Paulo Roberto Savaris - 🙏 Um Sonhador, Caminhando com Francisco
Apêndice poético
Sementes ao Vento
Nas coxilhas de um tempo passado,
Pousou a marca de quem sabe amar,
Com a cuia na mão, mate amargo,
E a gaita a cantar pra vida embalar.
Gaúcho de alma, desbravador nato,
Deixou o Rio Grande pra fronteira traçar,
Com gado e lavouras, ergueu seu legado,
Fez do chão um altar pra vida brotar.
Lá na varanda, o pelego estendido,
A ovelha no portão, o som familiar,
E a chama no fogo, assado bem servido,
São memórias vivas de um lar a pulsar.
Do pinheiro altivo, a madeira cedida,
Para o bem da vila, se ergueu o abrigo,
Com mãos calejadas, união repartida,
Na simplicidade, o maior dos perigos.
Os filhos partiram, mas levam no peito,
O peso da história, o valor do respeito,
Na lida moderna, o antigo enredo,
De quem semeia com amor seu direito.
O tempo levou, mas não apagou,
Os sorrisos nas rodas, as danças no chão,
A vida que pulsa, o vento que soprou,
No gaúcho a essência: paixão e canção.
Gaiteiro eterno, tua música ecoa,
Nas terras que amas, nos campos da alma,
E a semente lançada floresce e ressoa,
No mundo que clama por justiça e calma.
Que o vento espalhe as lições do passado,
Aos que virão, o legado estendido,
Pois o chão que hoje pisamos, lavrado,
É a prova de um povo jamais esquecido.
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