Provenientes da região fronteiriça do Sudoeste, carregavam em seus sobrenomes a fortaleza da herança alemã e italiana. O patriarca e a matriarca, verdadeiros virtuosos do comércio, traziam consigo a tradição familiar de atuação em diversos setores comerciais.
Sua chegada à Vila ocupou o espaço onde hoje funciona um Mercado, outrora ocupado por uma outra família de comerciantes gaúchos, que venderam sua atividade para os protagonistas dessa história. A família vindoura do Rio Grande do Sul, é digna de um relato histórico próprio em um momento oportuno.
A família chegou determinada a fazer a diferença no comércio local. Eles decidiram investir na compra de cereais e abrir uma loja de secos e molhados, na esperança de impulsionar a economia local. Mas o patriarca enxergou além do óbvio. Ele percebeu uma oportunidade de negócio diante das inúmeras madeireiras e decidiu investir no transporte de madeira.
Logo no início, as viagens para São Paulo foram verdadeiras aventuras para os filhos. Imagina sair de uma vila com poucos habitantes e se deparar com a imensidão da metrópole? Mas eles não se intimidaram. O filho mais velho abriu caminho, seguido aos poucos por outros parceiros contratados e, é claro, pelo irmão mais novo.
Essa família foi além das fronteiras, literalmente. Eles não se contentaram em fornecer transporte de madeira apenas para a São Paulo. Decidiram expandir os negócios e começaram a atender a região de Santa Maria-RS. E sabe qual era a carga de retorno dessas viagens? Areia para a construção civil! Que começava a sair das antigas construções totalmente feitas de madeira para um modelo misto, com estruturas mais modernas, eles contribuíram para o desenvolvimento urbano da vila.
No início dos anos 70, o primogênito da família se casou com uma filha da terra, descendente de uma família dona de um dos hotéis da vila. Com o casamento e o nascimento do primeiro filho, a nova família precisou tomar medidas audaciosas para se sustentar. Nessa jornada, o ramo de transportes foi crescendo e logo formaram uma frota considerável de caminhões, todos da marca Mercedes-Benz, alguns maiores e outros menores. O primeiro caminhão, um Mercedes-Benz 1111, de cor verde de porte médio, foi o ponto de partida para a formação dessa frota.
Na esteira da recessão implacável dos anos 80, a nossa humilde vila não escapou ilesa. E essa família, como os demais moradores sofreram as consequências desse período turbulento, que sucedeu o próspero período dos anos 70. Durante essa época conturbada, a empresa de transportes passou por mudanças significativas.
Os fundadores, por sua vez, decidiram se mudar para Francisco Beltrão, onde buscaram novas oportunidades comerciais no ramo de vestuários. Enquanto isso, os filhos continuaram na atividade, seguindo suas próprias trajetórias.
O irmão mais velho, com uma visão audaciosa, adquiriu uma deslumbrante carreta Mercedes-Benz, pagando as parcelas mensalmente. Essa ousadia e determinação personificam a persistência dessa família em superar os desafios econômicos daquela década difícil.
Lembro-me claramente dessa trajetória, pois meus pais recebiam as cartas do Correio de Salgado Filho para entregar à população local. A cada mês, o caminhoneiro vinha retirar o boleto para pagamento.
Muitas vezes, eu presenciava as conversas entre ele e meu pai sobre as dificuldades enfrentadas e também as comemorações a cada parcela quitada. Consigo até visualizar o semblante de meu pai, com o braço estendido na janela da frente de nosso comércio, tomando seu mate ou um trago de pinga, sempre torcendo e emanando vibrações positivas para que esse senhor vencesse sua batalha e conseguisse terminar de pagar seu estimado instrumento de trabalho.
Porém, a imprevisibilidade da vida nos reserva desafios incontroláveis. Ao longo desta década, esse senhor vivenciou um assalto que resultou no roubo de seu caminhão. Por um período, ele permaneceu à mercê dos criminosos, que, por sorte, o deixaram vivo, embora com algumas escoriações físicas.
Contudo, o impacto emocional desse evento deixou uma marca profunda em sua essência. Apesar de ter lutado com determinação, nunca mais conseguiu expandir suas atividades ao nível de suas projeções iniciais. Ainda assim, ele persistiu e continua ativo no ramo até os dias de hoje, em meio a altos e baixos que permeiam décadas de experiência.
Vale ressaltar que seus filhos seguiram seus passos e deram continuidade ao negócio. Em seu auge, ele teve a oportunidade de trabalhar para uma empresa em Palma Sola, onde cultivou uma amizade respeitosa com um dos proprietários. Isso foi resultado de sua abordagem pragmática e sempre correta em suas atitudes.
Já o filho mais jovem dos precursores, por sua vez, casou-se com a filha de um dos donos do Posto Esso e também continuou no ramo de transportes, fixando residência em Marmeleiro, onde permaneceu até sua aposentadoria, pelo menos assim imagino. Infelizmente, os pais e as duas irmãs já partiram para a eternidade.
Nesta incrível história, tive a honra de ter como meu compadre o primogênito, um indivíduo que desperta em mim uma grande admiração, assim como sua amada esposa. Seus filhos também foram meus alunos, e sua filha se mostrou uma importante aliada em minhas atividades administrativas como Prefeito da cidade. Sua lealdade e eficiência em suas funções foram incomparáveis.
Hoje, posso observar esse senhorzinho um tanto debilitado pela passagem do tempo, mas ainda vejo em seus olhos uma paixão ardente pelos transportes. Gosto de ouvi-lo relembrar suas visitas ao Terraço Itália na cidade de São Paulo, o edifício mais imponente dos anos 70. Ele conta da vez em que precisou buscar os companheiros mais jovens em lugares impróprios onde eles se apresentavam “artisticamente”, tocando gaita e entoando Amor Distante do Trio Parada Dura "Meu coração não resiste...".
Chama a atenção como, nos dias antecedentes, no mesmo cenário, ocorreram terríveis assassinatos envolvendo um borracheiro e um frentista do posto. A gentil proprietária, ao relatar o ocorrido, expressa gratidão por ter músicos abençoados que se apresentam apenas por apreciação. Mais uma vez, isso demonstra o seu zelo pelo bem-estar dos funcionários.
Entre as histórias que ouvi sobre suas aventuras quando jovem, destaca-se aquela em que ele percorria as estradas em seu Chevrolet amarelo, rumo aos animados matinês e bailes do Clube Fronteira em Palma Sola, no Juventus e Independente em Salgado Filho, e no Clube Avaí na Linha Tatetos.
Apesar de guardar muitas lembranças felizes daquela época, nem todas elas eram pintadas com cores vibrantes. Uma em particular ecoava na mente dele, repleta de tragédia e angústia. Ele conseguia descrever com precisão milimétrica o momento em que chegou e testemunhou o destino cruel de duas almas em um humilde bar. Porém, quando decidiu buscar auxílio com a autoridade local da época, suas palavras foram recebidas com incredulidade. O subdelegado, numa encenação de espanto, soltou um simplório "Deixe de bobagens, piá".
Infelizmente, esse evento se tornou um dos mais impactantes da década de 70. O dono do bar, que também era o namorado de uma moça que trabalhava em nossa casa, foi responsável pelo homicídio dos dois clientes. Além disso, o julgamento desse caso foi um dos mais aguardados da época, acontecendo no recém-inaugurado Ginásio de Esportes de Salgado Filho.
Sempre que essa história é mencionada, ele recorda dos dois senhores que trabalhavam na madeireira local. Ambos estavam em estado de choque e, ao verem a chegada do subdelegado, apontaram com o dedo para trás da porta, onde um dos corpos já estava. O outro freguês saiu cambaleante pela rua principal e acabou falecendo em frente ao hotel do pai de sua esposa.
Essa história, com certeza, merecia mais capítulos, mas vou encerrá-la por aqui. Afinal, essa família foi incrível na sua luta e continua ativa, graças à coragem que tiveram no passado. Agora, os filhos estão determinados a transformar esse legado em algo que prossiga para mais gerações.
Tenho certeza de que o primogênito, hoje septuagenário guarda belas memórias desse período em que fazia o que amava com todo o amor do mundo. E, sem dúvida, ele se lembra dos momentos divertidos em frente à igreja católica, quando as pessoas chegavam meia hora antes para conversar e trocar informações dos acontecimentos locais. Ele adorava as brincadeiras com o nono Cenatti que já partiu, mas sempre apreciou o carinho com que era tratado.
Afinal, nossas ações ao longo da vida estão sempre repletas de desafios e nem sempre alcançamos plenamente nossos objetivos. Mas há uma lição nisso tudo. Esse casal, agora ao lado de um dos filhos que enfrenta uma longa convalescença, vivem cada dia com seus passos, provavelmente recordando os momentos de glória, mas nunca deixando de aproveitar o presente.
Eles sabem que deram o melhor de si e, mesmo que a vida não tenha sido tão pródiga, restam as boas lembranças de um tempo que já se foi, mas que precisa ser compartilhado com os mais jovens. Assim eles perceberão que, se chegaram até aqui, há alguém que nos precedeu.
Um Sonhador Caminhando com Francisco – Escritor do Blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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