Hoje, somos todos convidados a refletir sobre a importância das pessoas que já partiram dessa vida. É um momento de reverenciar e honrar aqueles que foram importantes para nós e agora estão eternizados.
Em nossa cultura, reservamos esse dia para emanar orações, acender velas e decorar os túmulos com belas flores, como um gesto carinhoso para quem nos precedeu e compartilhou momentos conosco.
Nesse momento, as desavenças e os erros cometidos durante a vida já não têm mais espaço para julgamentos. Deixamos essa sentença nas mãos de Deus, conforme a crença da maioria, confiando que Ele fará as devidas compensações e dará um destino justo de acordo com a evolução espiritual merecida.
A justiça é estabelecida para aqueles que acreditam, pois o que plantamos aqui será colhido sob um olhar imparcial, sem interesses próprios, mas sim com a generosidade de uma mão que sabemos ser justa, pronta para conceder o paraíso a todos aqueles que o conquistaram de forma merecida.
A justiça encontra sua morada na crença de que nossas ações, sejam elas boas ou más, serão retribuídas de forma imparcial e com um olhar generoso daquele que nos concede o paraíso, aqueles que conquistaram seus méritos serão recompensados.
Na morte, não há espaço para religião ou ideologia, apenas confrontamos as atitudes que tomamos durante nossa consciência. Nada mais justo do que acertar as contas. Porém, surge o dilema: será que o bem que produzimos era genuíno ou apenas fruto da nossa mente? Aqui é onde a "morte pega", como Jesus alertou, a quem muito foi dado, muito será cobrado, tornando-se uma questão puramente pessoal, talvez até com um toque de materialismo.
A vida é uma eterna dança, na qual devemos nos divertir com respeito e sabedoria. Carregando apenas poucos fardos, a morte virá até nós levitando como anjos, sem nada que nos prenda, tal qual na história que minha mãe costumava contar.
Diz a lenda que, após uma insistência incansável de São Pedro, para que Jesus levasse sua mãe ao paraíso, pois a conduta dela não era exatamente exemplar, o Filho de Deus decidiu intervir. Ele enviou anjos para buscar a mãe de Pedro, mas, mesmo assim, ela resistiu em subir, sendo arrastada pela saia, já que seu “peso” era imenso. Essa história me faz refletir sobre a incrível força necessária dos motores celestiais para elevar indivíduos que caminham pela terra com passos pesados e mentes dispersas, que abarcam apenas uma fração do que realmente pensam e defendem para os outros.
Como a maioria das pessoas, tenho meus entes queridos a quem dirijo minhas orações e acendo velas. No entanto, também faço questão de fazer uma breve visita a alguns sepulcros à direita do cemitério Municipal. São cruzes pequenas e lápides envelhecidas, uma delas é cercada por grama bem cuidada, graças a um senhor futebolista.
Minha esposa sempre se pergunta o porquê disso. Alguns desses túmulos ela já conhece a história, talvez hoje ela descubra outras, pois esses mortos que estão esquecidos pelos seus próprios familiares e pelos moradores da nossa cidade têm me feito refletir ao longo da minha vida e ainda ecoam em minhas memórias até hoje.
A cena que vem à mente é a de um pequeno casebre às margens da BR, onde um pai e seus filhos foram encontrados enforcados. As fotos desse registro estão nas mãos da família do subdelegado da época, e é uma imagem profundamente impactante.
De acordo com minhas lembranças, esse pai era funcionário da empresa responsável pela terraplanagem do asfalto. Em um momento em que a escuridão parecia mais presente do que a luz divina, ele perdeu o controle e cometeu essa terrível barbárie, primeiro tirando as vidas das crianças e depois a própria vida.
Ainda sinto um tormento dilacerante, pois essa ação foi dirigida contra vidas inocentes que foram forçadas a encarar a morte pelas mãos do próprio pai, alguém que já não encontrava mais sentido em viver e queria pôr um fim ao seu sofrimento. Infelizmente, ele levou consigo aquilo que mais amava, mas não conseguiu desvendar um caminho verdadeiramente significativo para a paternidade.
Outro acontecimento que marcou intensamente minha memória foi o trágico acidente em 1975, envolvendo um jovem surdo-mudo. Ele descia descontraidamente de bicicleta pela área onde hoje temos o trevo de acesso, inconsciente do perigo que se aproximava.
Infelizmente, sem a capacidade de audição, ele não teve como perceber a aproximação silenciosa do imponente caminhão, o que resultou em seu trágico e instantâneo falecimento. O coração apertado pela perda, seus entes queridos têm um vínculo conosco que vai além do mero compartilhar de vizinhança. Afinal, o sobrinho do folclórico "Chico Cabeludo" era parte da nossa comunidade e seus avós, descansam serenamente no cemitério local. Todos os anos, no Dia de Finados, faço questão de passar por lá para prestar minhas homenagens. Afinal, considerando que seus familiares possam estar espalhados por todo o Brasil, é na força das orações que encontramos uma forma de mantê-los conectados.
A perda desse jovem causou um profundo impacto emocional em mim, já que costumávamos brincar juntos. Enquanto eu sonhava em ter minha bicicleta, que foi interrompido por um tempo, o que me fez valorizar ainda mais o presente que ganhei um ano depois.
A terceira situação que abordo, infelizmente, envolveu a trágica morte de uma criança na linha Pedra Lisa. Em um dia chuvoso, ela se aventurou a passar por uma pinguela para chegar à escola, porém acabou escorregando e caindo.
Mesmo acompanhada de seus irmãos e primos, eles não conseguiram segurá-la, o que tornou a situação ainda mais angustiante. Vale ressaltar que essa família era cliente frequente de nossos pais e eram conhecidos por sua atuação social e religiosa.
O pai, um homem virtuoso, costumava subir a serra toda semana para vender ovos e queijo, carregando uma mala de pano costal feita de um tecido xadrez com predominância de cor vermelha - um tecido bastante popular naquela época para a confecção de colchões.
Esse senhor, já falecido, também se destacava como copeiro nas festas da igreja e, além disso, era uma pessoa extremamente amável, sempre com um sorriso no rosto.
É realmente difícil imaginar o sofrimento das crianças e dos pais ao encontrarem o corpo da menina, preso nos galhos de árvores mais abaixo do local do acidente, após o período de chuvas ter cessado.
Existem outras mortes emblemáticas de crianças, mas deixarei que sejam descobertas se interessarem.
No entanto, gostaria de encerrar relatando uma morte que também me chocou e, sem dúvida, mexeu com a maioria das pessoas da vila. Envolveu um acidente grave durante uma ida para um jogo de futebol na Linha Coxilha Negra. Naquela época, o meio de transporte era feito por camionetes e caminhões, onde os atletas e a torcida se dirigiam aos jogos em cima das carrocerias.
Nessa partida específica, a equipe e alguns torcedores já tinham partido na frente. Alguns chegaram atrasados e ficarem em um bar à espera de uma carona para assistir ao jogo, já que era a única forma de diversão naquela época.
No meio desse intervalo, surgiu um jovem da vila, cujo pai era o açougueiro local, com sua caminhonete pronta para ajudá-los. Na picape embarcaram um jogador que frequentava o bar, alguns torcedores animados e um senhor de meia idade que foi "convidado à força”, quando o levantaram nas brincadeiras e o jogaram na carroceria. Esse senhor era quase um indigente, que vivia de favores em um galpão próximo à nossa casa, e era conhecido carinhosamente como "Consequência", e tinha abrigo graças a generosidade e o coração humilde de uma família que decidiu ceder esse espaço para ele.
Mesmo contra sua vontade, ele acompanhou os demais. Infelizmente, nas proximidades da comunidade onde acontecia o jogo, o motorista perdeu o controle da camionete, chocou-se contra o barranco e capotou.
Como a maioria das pessoas estava em cima da carroceria, o impacto foi grande. Alguns caíram antes do acidente, outros ficaram presos embaixo do veículo. Três pessoas ficaram gravemente feridas: o sócio do bar, o filho do farmacêutico local e o senhor que tinha o apelido consequência e o mesmo nome que meu saudoso pai.
Lembro-me bem dos filhos de uma família que trabalhou durante anos na construção civil. Eles tiveram apenas algumas escoriações, mas estavam com medo de voltar para casa, pois tinham ido sem a autorização dos pais.
Os feridos foram encaminhados para o hospital de Palma Sola. Lembro-me vividamente da nossa angústia enquanto esperávamos por notícias sobre a evolução do estado de saúde dos acidentados. Algumas notícias eram encorajadoras, outras nem tanto. Após alguns dias, o senhor mais velho acabou falecendo, mas os dois mais jovens conseguiram se recuperar. Essa situação também me impactou profundamente, uma vez que desfrutei diversas vezes do prazer de saborear milho verde e pinhão assado na brasa, enquanto nos reuníamos ao redor de fogueiras feitas no chão, no aconchegante galpão pertencente a essa família.
Sem dúvida, o senhor que infelizmente nos deixou, certamente os ajudava, pois, o proprietário, conhecido carinhosamente como “Loro”, abreviatura do seu nome, esse senhor era um verdadeiro mestre na arte de construir cercas, uma profissão de extrema importância naquela época de próspera expansão da bovinocultura.
Esses acontecimentos, sem dúvida alguma, foram grandes mestres em minha jornada, tão significativos quanto os livros que li e as pessoas com quem me relacionei.
Eles trazem consigo a essência da vida: nascemos, vivemos e morremos, sem exceção. Sempre vi a morte como uma fonte de reflexão, pois encontro nela diversas explicações e possibilidades a cada perda.
Consigo resgatar caminhos que havia abandonado e enxergar a vida sob uma nova perspectiva, com menos julgamento e mais empatia e simplicidade.
Compreendo que nossa existência é temporária e o que nos é dado é incerto, baseado apenas em fé, sem qualquer prova comprovada. Tenho uma certa "afinidade" por cemitérios.
Adoro visitá-los, pois assim posso conhecer um pouco da história do local, silenciar minha mente e contemplar o vazio para compreender a importância da vida. Vejo que é essencial respeitar a morte, mas nada substitui o presente, onde podemos fazer a diferença com nossas atitudes, agindo com menos rigidez de pensamento.
Não devemos impor aos outros aquilo que não queremos para nós mesmos, nem agir de forma julgadora e ditatorial. Afinal, cada pessoa vive e pensa da maneira que melhor lhe convém, pois, a prestação de contas é individual.
O que normalmente faço é afastar-me de tudo o que considero tóxico, mesmo que seja considerado alimento por muitos. Cada um se alimenta do que nutre sua alma. Pensar não é agir, é apenas especular.
Quando lemos um livro, abrimos a mente, mas não somos obrigados a aceitar tudo o que o autor nos transmite, pois isso é apenas o pensamento dele. Isso é perigoso quando consumimos de forma ideológica, sem discernimento. Mas cada um sabe onde quer chegar, e o fim desse caminho para todos é a MORTE.
Que a manifestação do amor e respeito pelos nossos entes queridos seja constante e ativa, não apenas em ocasiões especiais como hoje. Que esta data seja um catalisador para impulsionar nossas jornadas espirituais, se é que elas existem! Caso contrário, não há o que lamentar, pois escolhemos viver imersos em virtudes como o bem, o amor e a empatia pelo próximo. Afinal, a nossa existência está em utilizar essas qualidades para florescer e transformar o mundo ao nosso redor.
O Nazareno nos aconselha a sair pelo mundo, a divulgar, mas sem sermos tolos. Se a paz não for aceita, é melhor voltarmos para nós mesmos e permitir que cada um viva de acordo com suas expectativas, sem nos deixarmos intoxicar.
Sempre haverá remédio para aqueles de coração puro, enquanto aqueles que seguem caminhos tortuosos não conseguirão enganar nem na biografia final, pois serão revelados aos anjos astutos e cautelosos que nos levarão às asas da eternidade.
Um Sonhador Caminhando com Francisco – Escritor do Blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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