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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (7): FAMÍLIA HARNISCH

Atualizado: 21 de fev.


No passado, em tempos épicos e gloriosos, quando o talento dos marceneiros era reverenciado e indispensável para a sociedade. Nessa atmosfera encantadora, uma família de habilidosos carpinteiros de ascendência alemã desembarcou na deslumbrante Vila do Povo Feliz, em busca de novas oportunidades, vindo de uma região de colonização alemã, situada poucos passos da fronteira com o Rio Grande do Sul.

Ao chegarem à vila, eles adquiriram um terreno onde antes encontrava-se a primeira igreja católica do vilarejo. Lá, esses exímios artífices construíram sua casa e ergueram uma marcenaria, na qual habilmente manipulavam sua arte com o auxílio de um motor prodigioso, movido a diesel e acionado por uma cativante manivela. Oh, o som melodioso e pulsante desse motor é algo que permanece nítido em minhas memórias, pois minha família residia à frente desse empreendimento.

Guardo memórias vívidas desta família inesquecível, composta por um casal com um sotaque marcante, uma fusão encantadora de português e alemão. Apesar dessa peculiaridade linguística, entendê-los era uma tarefa fácil. Além dos pais, quatro meninos complementavam o quadro familiar, com dois mais velhos do que eu e outros dois mais novos.

Os mais velhos já contribuíam na marcenaria familiar, onde habilmente confeccionavam móveis para residências e escritórios, além de se dedicarem a trabalhos de aplainamento de madeira. Vale mencionar que o negócio familiar também tinha um aspecto um tanto sombrio: a produção de urnas funerárias. Quando um morador local partia, essas urnas eram meticulosamente elaboradas utilizando-se pinheiro, com a parte externa envolta por um pano negro e o interior preenchido por maravalha, protegida por um pano branco, azul ou rosa preso com pregos.

Uma curiosidade interessante era que, enquanto a urna era fabricada, o falecido era velado em casa, encima de tábuas improvisadas sobre cadeiras. Somente quando a urna estava pronta, o corpo era transferido à urna, para que se realizasse a cerimônia de despedida.

Este relato oferece apenas um breve vislumbre desta família incomum, uma fusão de culturas e tradições que concebeu uma empresa com uma essência singular.

Nessa incrível jornada, o destino preparou uma surpresa de arrepiar: cruzei o caminho de um amigo muito especial, um mestre do ofício que dedicou longos anos a esta empresa. Apesar da grande diferença de idade, encontramos uma amizade autêntica. Um ser iluminado, cuja história merece ser compartilhada no tempo que está por vir, pois além do seu dom na profissão, ele também assumiu um papel importante como vereador em nossa amada cidade, sendo um aliado leal na busca do bem comum. Pode parecer algo fora do comum, mas a vida nunca decepciona ao nos presentear com suas intrigantes peculiaridades. Indubitavelmente, esta família era um autêntico exemplo de versatilidade e inventividade. Constantemente à frente do seu tempo, eles criavam soluções engenhosas para atender às suas necessidades. Uma das adaptações mais fascinantes era conectar um dínamo ao motor, que durante o dia carregava a bateria para que à noite, todos pudessem desfrutar da preciosa TV de 12 polegadas. Além disso, esse sistema gerava energia suficiente para iluminar toda a casa com algumas lâmpadas.

Para mim, o momento mais especial com eles era aos sábados à noite, quando eu tinha o privilégio de assistir à série americana "O Homem de Seis Milhões de Dólares". Era um verdadeiro ritual sagrado, e aos domingos, às 19h, nada era mais importante do que assistir Os Trapalhões ao lado da minha irmã. A melhor parte disso era que bastava atravessar a rua para mergulhar naquela atmosfera divertida e acolhedora. E, é claro, a volta para casa sempre acontecia com um comando firme da minha mãe, que gritava para que voltássemos imediatamente.

Nossa, como eu amava esses momentos únicos e criativos em família! Recordo-me com nostalgia das memórias encantadoras que carrego comigo. Era uma época em que nosso playground improvisado era o terreno ao lado da marcenaria, transformado em um campo de futebol cheio de risadas e dribles incríveis.

No intervalo de almoço, a porta da empresa se metamorfoseava em um gol mágico, onde batalhas épicas de rebatidas se desenrolavam, proporcionando momentos de pura diversão e competição. E não poderíamos jamais ignorar as lembranças nostálgicas de tardes chuvosas de domingo, quando nos refugiávamos na oficina, envoltos em um ambiente mergulhado em serragem, ideal para a criação de brincadeiras eletrizantes de mocinho e bandido. Nosso objetivo era testar nossas habilidades de se esconder, e o jogo começava com um emocionante "Fogo-queima" e terminava com o tão aguardado "pá". Além disso, tínhamos uma brincadeira secreta na maravalha: esconder uma pesada bola preta de ferro, que era habilmente acoplada à alavanca da plaina.

O mais velho entre nós, era um mestre respeitável na arte de criar jogos de tabuleiro, era um verdadeiro gênio. Suas criações requintadas apresentavam pregos que representavam os jogadores e uma pequena moeda em uso como nossa querida bola de jogo. E para minha grande satisfação, ele sempre incluía o famoso clássico GRENAL e o lendário FLAFLU em nossos desafios de caça-palavras e palavras cruzadas. Além disso, a partida de trilha era jogada com habilidade utilizando grãos de milho e feijão.

Essas memórias, cheias de criatividade e diversão, nos transportam para um tempo onde cada momento era vivido com intensidade e um toque de inteligência. Vivíamos em um mundo encantado onde a imaginação não tinha limites. E mesmo que o tempo tenha passado e as responsabilidades tenham chegado, nós sempre guardaremos com carinho essas lembranças que nos moldaram em pessoas resilientes.

Lembro-me claramente do dia fatídico na marcenaria, quando o filho mais velho acabou caindo na correia do motor que acionava as máquinas da oficina. Suas pernas e joelhos ficaram vermelhos e esfolados pelo atrito com a correia em movimento. Também me recordo vividamente do segundo filho, andando pela rua principal, próximo a eletrônica do seu José Piasson em sua bicicleta azul ODOMO. Ele infelizmente perdeu o controle e teve alguns machucados sérios, mas nada que algumas pomadas e compressas não pudessem resolver.

E é claro, as nossas brincadeiras com os nossos singelos carrinhos de madeira, concebidos a partir de resíduos de materiais, merecem ser imortalizadas. Era uma fonte inesgotável de diversão percorrer minuciosamente as estradas improvisadas por nós mesmos, esculpidas habilmente com a precisão da enxada. E que memória deliciosa era saborear o pão untado com banha de porco e açúcar, enquanto ouvíamos as empolgantes narrativas dos excêntricos passeios à praia organizados pelos formandos do oitavo ano. O veículo para tal aventura foi gentilmente cedido pela Assembleia Legislativa Estadual. Ah, e como não mencionar a matriarca dessa ilustre família, que trouxe consigo um instigante frasco contendo a água salgada, a título de comprovar a sua incontestável salinidade.

Na efervescente década de 70, como autênticos inovadores visionários, essa família não apenas testemunhou o impressionante florescimento da Vila, mas também alavancou seus negócios através da comercialização de móveis e colchões, habilmente entregues por meio de uma imponente F 100 marrom.

E para garantir que estivessem sempre prontos para qualquer ocasião, tinham não apenas uma Brasília bordô, mas também um elegante Dodge Marrom. Esses veículos eram usados para ir à igreja aos domingos e visitar os queridos parentes em Santa Catarina e na região alagada da Itaipu.

No entanto, como todos os moradores da Vila naquela época, também enfrentaram as adversidades de uma recessão que atingiu nossa comunidade. Com determinação, o filho mais velho decidiu buscar novas oportunidades, partindo para estudar e trabalhar em uma renomada loja em uma cidade vizinha. Enquanto isso, o resto da família permaneceu na Vila, enfrentando as dificuldades dessa época desafiadora.

Mas em busca de uma vida nova e viver perto dos amados parentes, tomaram a difícil decisão de vender os negócios e mudaram para a região do alagado da Itaipu. Lá, se reinventaram, encontrando novas atividades e formas de prosperar.

Essas lembranças me fazem ponderar sobre a importância de uma vida simples e devota. Essa família tinha esses valores como alicerces em suas vidas. Eles eram fervorosos na igreja Luterana e sonhavam com um filho que seguisse a carreira pastoral. Não sei se esse sonho se tornou realidade ou não, mas os pais, com certeza, alimentavam essa esperança.

Ao longo do tempo, soube da partida da matriarca e do caçula Claudio. No entanto, o patriarca e os outros filhos imagino que permaneçam, compartilhando o mesmo espaço onde suas lembranças prendem vida. Esses preciosos momentos são irrecuperáveis, mas ainda assim permanecem como tesouros inestimáveis na minha trajetória.

Sou imensamente grato por ter compartilhado minha vida com essa família querida (Dona Gerta, seu Werno, O Cali, o Adi, o Marcos e o Taudi). Mesmo sem contato nos dias de hoje, ocasionalmente vasculho o Facebook e o Google em busca de notícias. Dizem que um homem é verdadeiramente feliz quando possui amigos que o são para sempre, não importa a distância ou a falta de contato, e acredito que essa família seja uma prova real disso. Nossas histórias se entrelaçaram de forma indelével, fortalecendo esses laços eternamente.

Um Sonhador Caminhando com Francisco


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